por Anita de Gusmão Ronchetti, Professora Gastronomia, Instituto Federal de Santa Catarina.
Chimarrão, um legado indígena
O chimarrão é uma bebida feita a partir da infusão de erva mate (Ilex Paraguariensis) com água quente, montado e servido em cuia e bebido através da “bomba”, uma espécie de canudo com filtro na ponta. Para os gaúchos, o mate ou o “chimas”, como é carinhosamente conhecido, é um patrimônio, e faz parte da identidade cultural do sul do país, sendo considerado, por lei, a bebida típica do Rio Grande do Sul, e 24 de abril, sua data comemorativa (lei 11.929 de 20 de junho de 2003).
Há muito o que escrever a respeito de história e cultura que envolvem o chimarrão, sem mais delongas, vou resumir um pouco aqui.
No Brasil, o chimarrão é uma bebida proveniente das culturas indígenas, em suma os Guaranis e Caingangues. Sob o nome caá-i (água da erva), os indígenas nativos do sul do Brasil preparavam a infusão e bebiam na cuia feita de porongo. Eles faziam uso da erva-mate em seu cotidiano, e também em rituais religiosos, sendo uma forma de se comunicar com os Deuses. Por essa utilização em prática espiritual, a erva-mate foi considerada uma erva demoníaca pelos jesuítas espanhóis que aqui se instalaram, e em 1596, o uso da erva-mate foi proibido para todos os habitantes das possessões espanholas. Porém, as medidas proibitivas não foram suficientes, e os nativos indígenas continuaram seu consumo clandestinamente. Os jesuítas conheceram os benefícios estimulantes provenientes da infusão de erva mate, bem como, o conforto térmico da bebida quente nos dias frios do sul do país e passaram a consumir o chimarrão, aprimorando a tecnologia, com a introdução da bomba para tomar a bebida. Além de consumir, viram na erva-mate uma oportunidade de gerar lucro com o comércio da erva para a Colônia e essa foi então, uma das maiores fontes de lucro para as Missões Jesuíticas.
A roda de chimarrão
O chimarrão é um agregador de pessoas e uma pratica de socialização e confraternização, onde todos compartilham da mesma cuia e bomba (em tempos de pandemia da COVID 19, essa prática tem se tornado restrita).
Já participastes de uma roda de chimarrão?
Não faz parte da tradição pedir para tomar chimarrão que alguém preparou. Aquele que quiser tomar um mate ou participar de alguma “roda” deve sentar à esquerda do cevador (quem preparou a bebida) ou então aguardar que te ofereçam um.
Ao receber o chimarrão, deve-se cuidar para não “fazer da cuia o seu microfone”, ou seja, não vale ficar um tempão com o chimas na mão, deixe para contar suas histórias depois de tomar.
Se o mate entupir enquanto tu estás tomando, saiba: é proibido mexer na bomba ou na erva que está dentro cuia! Caso isso aconteça, devolva o mate ao cevador para que o mesmo faça as devidas correções.
Ao receber um chimarrão, tome tudo, até “roncar”!! Não é aceitável tomar um golinho e passar adiante.
Ao entregar a cuia vazia, se não quiser beber um próximo chimarrão, apenas agradeça. Jamais espere para receber um chimarrão cheio para dizer que estás satisfeito. Caso queira continuar e receber novamente um chimarrão, não diga nada, apenas entregue. Dessa forma tu estarás dando o recado que deseja continuar na roda, recebendo outras cuias.
Porém…. Nem sempre conseguimos desfrutar de uma boa roda de chimarrão, regada a conversas e às vezes, um petisco. Ainda assim, vale a pena um momento com seu companheiro chimarrão, como diz a música: “Pra matar a sede da tradição! ”
Sabes como preparar, tchê?!
Como preparar
O “chimas” está na minha vida desde sempre. Lembranças de infância do chimarrão matinal em casa e do chimarrão final de tarde, após a escola, na casa dos meus avós. Aprendi a preparar essa bebida com minha mãe e carrego esse hábito diário aonde quer que eu vá. Enquanto escrevo, cá estou eu tomando meu chimas….Vou passar umas dicas de como preparar um bom mate.
Tu vais precisar de uma cuia, uma bomba, erva-mate para chimarrão e garrafa térmica.
Tradicionalmente, a cuia utilizada é feita de porongo (cabaça), atualmente já existem cuias de vidro ou cerâmica.
Existem variedades de ervas-mate: pura-folha, moída grossa, moída fina, com chá. A diferença estará na textura e no sabor, quanto mais grossa a moagem, costuma ter sabor mais forte.
A garrafa térmica manterá a água aquecida por mais tempo, pois nem sempre temos um fogão a lenha para deixar a chaleira com água no cantinho, não é mesmo?
Para preparar:
1.Coloque a erva na cuia até 2/3 do recipiente
2.Incline a cuia para um dos lados comprimindo a erva, levemente
3. Ainda com a cuia inclinada, em um ângulo de aproximadamente 45 graus, coloque água morna no espaço vazio e espere a erva absorvê-la
4. Coloque a bomba, fechando o orifício superior com o dedo e soltando após encaixá-la na erva e cuia.
5.Adicione água quente, nunca fervendo e está pronto! Temperatura ideal da água: entre 65ºC e 70ºC
Indicações bibliográficas
Se quiseres saber um pouco mais sobre o assunto, seguem referências:
TEMPASS, Mártin César. Orerémbiú: a relação das práticas alimentares e seus significados com a identidade étnica e a cosmologia Mbyá-Guarani. 2005. 156 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – PPGAS, UFRGS, Porto Alegre, RS, 2005.
ASSMANN, Nathalia Steinmetz. ERVA-MATE: O ALICERCE DE UMA IDENTIDADE HISTÓRICA, CULTURAL, ECONÔMICA E ESPIRITUAL. Trabalho apresentado para conclusão do curso Superior Tecnológico em Gastronomia pelo Instituto Federal de Santa Catarina.2018.
TEMPASS Mártin César. Não comer para poder rezar: o uso da erva-mate como inibidor de apetite entre os Mbyá-Guarani. In: IX Reunião de Antrtopologia do Mercosul, 2011, Curitiba. IX RAM: Culturas, encontros e desigualdades.. Curitiba: ABA, 2011.
DURAYSKI, Juliana; FONSECA, Marcelo Jaques. A DIMENSÃO SAGRADA DO CONSUMO DO CHIMARRÃO. Disponível em : http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2014_EMA313.pdf