Os pantaneiros e o manejo do alimento

January 08, 2021

Pela Chef Miriam Arazini, sobre a relação entre ser humano e natureza.

Ah, como são belas as histórias e memórias que a infância no campo nos traz…

Minhas lembranças mais vivas envolvem o relacionamento dos adultos com os animais da fazenda: o cuidado, o manejo, o respeito. Nessa vivência a gente passa a entender e internalizar conceitos de gente grande, como simbiose e ciclo da vida.

Mas as crianças crescem, se afastam do campo, desenvolvem novas concepções e as verdades da infância na fazenda se tornam borradas ou corrompidas. De repente, aprendemos que os homens são sempre grandes vilões e passamos a nos chocar com uma foto de um cozinheiro matando uma galinha ou o vídeo de uma carneada no Pantanal. Mas continuamos comprando filés de frango em bandejas de isopor e comendo peixe cru no restaurante da moda.

No meio desse turbilhão de visões contrastantes da minha vida de cozinheira e consumidora adulta, uma viagem de imersão me ajudou no reencontro com a minha lucidez: um safári gastronômico no Pantanal do Rio Negro. Ali minhas memórias alcançaram o terreno perfeito e a paz necessária para submergirem à consciência, me relembrando o quanto pode ser bela a relação entre ser humano e natureza.

Poucas pessoas respeitam tanto os animais quanto os pantaneiros. E um desses anjos pantaneiros foi o Seu Davi. Um homem simples, humilde e sábio, que me ensinou mais sobre a gastronomia do Pantanal do que qualquer faculdade. Desde a recepção com um churrasco de cabeça de boi, passando pela importância do quebra-torto, até a minha experiência mais marcante da viagem: participar de um abate e pelagem de um porco caipira.

Acordamos bem cedo nesse dia e fomos encontrar o Seu Davi que, com sua tranqüilidade típica, nos ensinou como abater de forma a minimizar a dor do animal, a sangria, a pelagem minuciosa, o porcionamento do pernil e da costela, e separação dos miúdos para produzirmos um sarapatel. Ele me convidou a pelar o porco, eu coloquei a mão na massa e posso afirmar que a sensação durante todo o processo foi de reverência àquele ser vivo que iria nos servir de alimento.

Obrigada, Seu Davi, por me (re)ensinar a força do interação do ser humano com o meio ambiente! Obrigada, Seu Davi, por me fazer entender que, independentemente de crenças e estilos de vida, o vínculo entre nós e todos os outros seres viventes pode ser de um sereno e admirável apreço!

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